quarta-feira, 24 de agosto de 2016

Habitat e um pouco da ecologia da Hoffmannseggella crispata

A razão pela qual venho aqui escrever algumas palavras sobre esta espécie é porque tenho visto muitas informações equivocadas acerca dela. 

Também, por trabalhar como consultor para empresas do setor de mineração, especialmente nas linhas de bioprospecção, multiplicação in vitro e convencional, e reintrodução de plantas nativas resgatadas de áreas impactadas, é rotineiro observar muito espaço para melhorias no manejo desta e de muitas outras espécies impactadas com a atividade, então compartilho minha experiência e divulgo o meu trabalho.

A princípio a Hoffmannseggella crispata é uma orquídea endêmica de Minas Gerais, mais precisamente da região do Quadrilátero Ferrífero (Fig. 1), e de um trecho mineiro da Serra da Mantiqueira, compreendendo a Serra Negra e o Parque Nacional de Ibitipoca, ambos próximos à cidade de Juiz de Fora/MG (Neto et al., 2009; Neto et al., 2007), no entanto alguns relatos mencionam a espécie nos Estados do Rio de Janeiro e Espírito Santo.

De acordo com a lista da Flora Ameaçada de Minas Gerais está em perigo de extinção (categoria EN,  o que a grosso modo se traduz como "risco de extinção a médio prazo") (Fundação Biodversitas, 2016) e, pela lista do Centro Nacional de Conservação da Flora, está quase ameaçada (categoria NT) (CNFlora, 2016).

Muitos trabalhos citam a espécie como rupícola, tanto em campos rupestres quartzitos (Neto et al., 2009; Neto et al., 2007; Teixeira & Lemos Filho, 2013), quanto em campos rupestres ferruginosos (Teixeira & Lemos Filho, 2013). 

Quanto a isso é comum ver literaturas equivocadas mencionando a espécie como ocorrente em apenas um dos dois tipos de campos rupestres mencionados, tal como Bioma (2016) (que inclusive usa algumas fotos de minha autoria no livro) que em sua página 200 menciona para espécie apenas o ambiente "campo rupestre quartzítico" mas, prestando atenção, em sua página 201 há uma foto, de meia página, de um indivíduo de Hoff. crispata florido, tendo no segundo plano da foto fragmentos de canga, pois o mesmo se encontra naturalmente em um campo rupestre ferruginoso. Sob o ponto de vista prático este tipo de informação, limitada, pode gerar confusão para quem vai trabalhar com a reintrodução de exemplares resgatados desta espécie e, quer saber onde é o melhor ambiente para sua alocação. 

Acho conveniente apontar, ainda, um terceiro ambiente de ocorrência desta espécie, campos graminosos de altitude, onde ocorre como terrícola (planta de solo, ou de substratos relativamente mais espessos). Segundo o Sistema Brasileiro de Classificação de Solos (Santos et al., 2013) o Neossolo Litólico Hístico pode ter menos de 20 cm de profundidade antes do seu contato com a rocha, como no caso das fotos abaixo que tirei na Serra da Moeda, então, a espécie está ocorrendo em um solo bem definido.




Neste tipo de ambiente, campo graminoso de altitude sobre Neossolo Litólito, há uma vegetação composta principalmente de gramíneas nativas, com alguns arbustos esparsos, e as espécies bastante estresse tolerantes quanto ao déficit hídrico e à limitação nutricional que o solo muito raso, e pobre, proporciona. São plantas que crescem pouco e devagar, de modo que a orquídea consegue desenvolver sem ser demasiadamente abafada.

Se este ambiente equilibrado for alterado, por exemplo, com revolvimento e adubação, selecionará outras espécies, principalmente as competidoras, como ervas das famílias Malvaceae e Asteraceae, e gramíneas invasoras como capim-gordura (Melinus minutiflora) e capim-braquiária (Brachiaria decumbens), essas duas últimas espécies africanas e com pesadas restrições de uso pelos órgãos ambientais, dadas às suas características de exercerem dominância suprimindo a flora nativa do sistema, assunto controverso, ideia para futuro post no meu Edafopedos.

A meu ver, um exemplo de aplicação inadequada desta espécie em trabalhos de recuperação ambiental podemos ver em Rezende et al. (2013), que testou diferentes níveis de adubação e de profundidade de um substrato composto por fragmentos de canga. Os autores discutem que a baixa porcentagem de sobrevivência desta espécie é em decorrência de coletas, no entanto, independentemente disso, ao vermos na figura abaixo as ervas que se desenvolvem em profusão, já é plausível inferir subdesenvolvimento (brotos cada vez menores) até a morte dos indivíduos, em outras palavras, este tipo de planta não é deste tipo de ambiente, por razões que estão sendo apresentadas aqui nesta postagem.



Mas, na foto abaixo, temos um bom exemplo de uma reintrodução bem sucedida de exemplares da espécie, respeitando características do substrato que iniba o desenvolvimento de outro grupo de plantas que suprimiriam as Hoff. crispata do ambiente.


A Hoff. crispata, assim como outras Hoffmannseggellas, tem uma plasticidade morfológica muito grande em função do habitat, em uma escala micro, ou seja, num raio de 30 cm pode ter um indivíduo localizado em uma fresta mais profunda, com pseudobulbos delgados alcançando 20 cm de altura, e outro indivíduo sobre a rocha nua, com pseudobulbos arredondados alcançando cerca de 8 cm de altura.

Estando em uma variante de campo rupestre denominado de canga nodular, que como o nome diz consiste em nódulos concessionários, de diâmetro médio de 1 m, intercalados com frestas mais profundas, há muitos arbustos sombreando a Hoff. crispata, e é onde seu porte fica maior, pseudobulbos com até 30 cm de comprimento, delgados, e com uma folha bem plana (foto abaixo). Este tipo de ambiente, a cerca de 1200 m de altitude, dos que conheço é onde as populações da espécie são mais numerosas, no entanto, como tenho visto, é onde há uma menor incidência de indivíduos florescendo e menor incidência de plantas com frutos em desenvolvimento. Acredito que o sombreamento, que faz com que as plantas fiquem mais altas, é excessivo ao ponto de inibir o florescimento (ver ponto de compensação luminosa).

Indivíduos de Hoffmannseggella crispata em seu ambiente mais típico, campo rupestre ferruginoso - canga nodular, a 1200 m de altitude.

Quando em campos graminosos nativos, seus pseudobulbos ficam altos e finos também, no entanto, as folhas ficam mais inclinadas para captarem menos energia luminosa (já discutido em "Epidendrum, fotossíntese e saturação luminosa"). Neste ambiente, que geralmente está uma altitude de 1100 a 1400 m na Serra da Moeda, a quantidade observada de  indivíduos  geralmente é pequena.


Nos campos rupestres ferruginosos canga couraçada, bem como nas lajes de quartzito, os pseudobulbos ficam mais baixos e arredondados (eficiência volumétrica de conservação de água, já abordado em "Cattleya walkeriana Gardner (1843) - anatomia, morfologia, fisiologia, ecologia e cultivo") e as folhas mais inclinadas. As plantas, também, tendem a adquirirem coloração avermelhada devido ao maior acúmulo de antocianina, que é um pigmento (antioxidante) protetor da radiação demasiada (que é oxidante!).
Indivíduos de Hoffmannseggella crispata em canga couraçada na Serra da Moeda, 1550 m de altitude.
Indivíduos de Hoffmannseggella crispata em laje de quartzito na Serra de Ouro Branco: folhas inclinadas, pseudobulbos avermelhados e arredondados.
Os campos rupestres ferruginosos de canga couraçada estão associados a maiores altitudes, 1500 a 1600 m, e as Hoff. crispatas não são tão numerosas quanto na canga nodular. No entanto, creio que devido ao alto input energético, advindo da maior insolação, geralmente é onde encontramos uma maior porcentagem de indivíduos floridos, havendo, também,  sempre muitos frutos em desenvolvimento nas plantas.

Falando em frutos, o tempo de maturação dos mesmos (até que naturalmente se abrem) é maior do que um ano, sendo comum vermos indivíduos em flores ainda portarem os frutos advindos de polinizações de flores do ano passado (foto abaixo), investimento de recursos por parte das plantas que corrobora para uma alta porcentagem de germinação das sementes in vitro.


Tipicamente a floração vai de julho a outubro, sendo o pico em agosto/setembro. Tem um período de floração extenso, de maneira que tem aparecido híbridos naturais com outras espécies de Hoffmannseggellas que compartilham seu habitat.

A meu ver, a melhor maneira de se cultivar a Hoffmannseggella crispata é com vasos de plástico contendo brita 0 de construção (pedrisco) como substrato, sob uma tela de sombreamento de 35 %.


Algumas particularidades notórias da Hoffmannseggella crispata é a disposição compacta das suas flores no ápice do racimo floral, como que se projetando e se expondo melhor acima da vegetação adjacente, característica que não perde em cultivo, ou em qualquer dos tipos de ambientes citados.  Outra característica marcante, no entanto não em todos indivíduos da espécie, é a borda das folhas avermelhadas / arroxeadas. Estas duas características também são vistas na Hoffmannseggella milleri (futuro post!). 


 A espécie tem como sinônimos Cattleya crispata, Laelia crispata, Sophronitis crispata, Laelia flava, dentre outros, a razão de eu utilizar Hoffmannseggella crispata será assunto de um futuro post também.

Abaixo fotos de outras flores que compartilham o habitat e a época de floração com a Hoffmannseggela crispata: 


Referências citadas


Bioma Meio Ambiente Ltda. (2016). Sobre a flora das Reservas Particulares do Patrimônio Natural da Vale – Guia de espécies ameaçadas, raras e endêmicas registradas. Nova Lima/MG. CD-ROM. 411p.Centro Nacional de Conservação da Flora. Disponível em http://cncflora.jbrj.gov.br/portal/pt-br/profile/Hoffmannseggella%20crispata. Acesso em 23/08/2016.
Fundação Biodiversitas. 2016. Revisão das Listas das Espécies da Flora Ameaçadas de Extinção do Estado de Minas Gerais. Disponível em http://www.biodiversitas.org.br/listas-mg/consulta.asp. Acesso em 23/08/2016. 
Neto, L. M., Alves, R. J. V., Barros, F., & Forzza, R. C. (2007). Orchidaceae do Parque Estadual de Ibitipoca, MG, Brasil. Acta bot. bras21(3), 687-696.
Neto, L. M., Matozinhos, C. N., de Abreu, N. L., Valente, A. S. M., Antunes, K., de Souza, F. S., ... & Salimena, F. R. G. (2009). Flora vascular não-arbórea de uma floresta de grota na Serra da Mantiqueira, Zona da Mata de Minas Gerais, Brasil. Biota Neotropica9(4), 149. 
Rezende, L.A.L; Dias, L.E.; Assis, I.R. & Braga, R. (2013). Rehabilitation of ironstones outcrops degraded by iron minning activity in Minas Gerais State – Brazil. In: National Meeting of the American Society of Mining and Reclamation, Laramie, WY Reclamation Across Industries, June 1 – 6, 2013. R.I. Barnhisel (Ed.) Published by ASMR, 3134 Montavesta Rd., Lexington, KY 40502. p.287-294.
Santos, H.G. Dos; Jacomine, P.K.T.; Anjos,  L.H.C. Dos; Oliveira, V.A. De; Lumbreras, J.F.; Coelho, M.R.; Almeida, J.A. De; Cunha, T.J.F.; Oliveira, J.B. (2013). Sistema brasileiro de classificação de solos. 3.ed. rev. e ampl. Brasília: Embrapa. 353p.
Teixeira, W. A., & de Lemos Filho, J. P. (2013). A flórula rupestre do Pico de Itabirito, Minas Gerais, Brasil: lista das plantas vasculares. Boletim de Botânica31(2), 199-230.

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