A razão pela qual
venho aqui escrever algumas palavras sobre esta espécie é porque tenho visto muitas informações equivocadas acerca dela.
Também,
por trabalhar como consultor para empresas do setor de mineração,
especialmente nas linhas de bioprospecção, multiplicação in vitro e
convencional, e reintrodução de plantas nativas resgatadas de áreas impactadas, é rotineiro observar muito
espaço para melhorias no manejo desta e de muitas outras espécies
impactadas com a atividade, então compartilho minha experiência e divulgo o meu
trabalho.
A princípio a Hoffmannseggella crispata é
uma orquídea endêmica de Minas Gerais, mais precisamente da região do Quadrilátero Ferrífero (Fig. 1), e de um
trecho mineiro da Serra da Mantiqueira, compreendendo a Serra Negra e o Parque
Nacional de Ibitipoca, ambos próximos à cidade de Juiz de Fora/MG (Neto et al.,
2009; Neto et al., 2007), no entanto alguns relatos mencionam a espécie nos Estados
do Rio de Janeiro e Espírito Santo.
De acordo com a lista
da Flora Ameaçada de Minas Gerais está em perigo de
extinção (categoria EN, o que a grosso modo se traduz como "risco de extinção a médio prazo") (Fundação Biodversitas, 2016) e, pela lista do Centro Nacional de Conservação da
Flora,
está quase ameaçada (categoria NT) (CNFlora,
2016).
Muitos trabalhos
citam a espécie como rupícola,
tanto em campos rupestres quartzitos (Neto et al., 2009;
Neto et al., 2007; Teixeira & Lemos Filho, 2013), quanto em campos
rupestres ferruginosos (Teixeira & Lemos
Filho, 2013).
Quanto a isso é comum
ver literaturas equivocadas mencionando a espécie como ocorrente em apenas um
dos dois tipos de campos rupestres mencionados, tal como Bioma (2016) (que
inclusive usa algumas fotos de minha autoria no livro) que em sua página 200
menciona para espécie apenas o ambiente "campo rupestre quartzítico"
mas, prestando atenção, em sua página 201 há uma foto, de meia página, de um
indivíduo de Hoff. crispata florido, tendo no segundo plano da foto fragmentos de canga, pois o mesmo se encontra naturalmente em um campo rupestre
ferruginoso. Sob o ponto de vista prático este tipo de informação, limitada,
pode gerar confusão para quem vai trabalhar com a reintrodução de exemplares
resgatados desta espécie e, quer saber onde é o melhor ambiente para sua
alocação.
Acho conveniente apontar, ainda, um terceiro ambiente de ocorrência desta espécie, campos graminosos de altitude, onde
ocorre como terrícola (planta de solo, ou de substratos
relativamente mais espessos). Segundo o Sistema Brasileiro de Classificação de
Solos (Santos et al., 2013) o Neossolo Litólico Hístico pode ter menos de 20 cm de
profundidade antes do seu contato com a rocha, como no caso das fotos abaixo que tirei na Serra da Moeda, então, a espécie está ocorrendo em um solo bem
definido.
Neste tipo de ambiente, campo graminoso de altitude sobre
Neossolo Litólito, há uma vegetação composta principalmente de gramíneas
nativas, com alguns arbustos esparsos, e as espécies bastante estresse
tolerantes quanto ao déficit hídrico e à limitação nutricional que o solo muito
raso, e pobre, proporciona. São plantas que crescem pouco e devagar, de modo
que a orquídea consegue desenvolver sem ser demasiadamente abafada.
Se este ambiente equilibrado for alterado, por
exemplo, com revolvimento e adubação, selecionará outras espécies, principalmente as
competidoras, como ervas das famílias Malvaceae
e Asteraceae, e gramíneas invasoras
como capim-gordura (Melinus minutiflora)
e capim-braquiária (Brachiaria decumbens),
essas duas últimas espécies africanas e com pesadas restrições de uso pelos órgãos ambientais, dadas
às suas características de exercerem dominância suprimindo a flora nativa do sistema, assunto controverso, ideia para futuro post no meu Edafopedos.
A meu ver, um exemplo de aplicação inadequada desta espécie em trabalhos de recuperação ambiental podemos ver
em Rezende et al. (2013), que testou diferentes níveis de adubação e de
profundidade de um substrato composto por fragmentos de canga. Os autores discutem que a baixa
porcentagem de sobrevivência desta espécie é em decorrência de coletas, no
entanto, independentemente disso, ao vermos na figura abaixo as ervas que se desenvolvem em
profusão, já é plausível inferir subdesenvolvimento (brotos cada vez menores) até a morte
dos indivíduos, em outras palavras, este tipo de planta não é deste tipo de ambiente, por razões que estão sendo apresentadas aqui nesta postagem.
Mas, na foto abaixo, temos um bom exemplo de uma reintrodução bem sucedida
de exemplares da espécie, respeitando características do substrato que iniba o desenvolvimento de outro grupo de plantas que suprimiriam as Hoff. crispata do ambiente.
A Hoff. crispata,
assim como outras Hoffmannseggellas,
tem uma plasticidade morfológica muito grande em função do habitat, em uma escala micro, ou seja, num raio de 30 cm pode ter um indivíduo localizado em uma fresta mais profunda, com pseudobulbos delgados alcançando 20 cm de altura, e outro indivíduo sobre a rocha nua, com pseudobulbos arredondados alcançando cerca de 8 cm de altura.
Estando em uma variante de campo rupestre
denominado de canga nodular, que como o nome diz consiste em nódulos
concessionários, de diâmetro médio de 1 m, intercalados com frestas mais
profundas, há muitos arbustos sombreando a Hoff. crispata, e é onde seu porte fica maior, pseudobulbos com até
30 cm de comprimento, delgados, e com uma folha bem plana (foto abaixo). Este
tipo de ambiente, a cerca de 1200 m de altitude, dos que conheço é onde as populações da
espécie são mais numerosas, no entanto, como tenho visto, é onde há uma menor
incidência de indivíduos florescendo e menor incidência de plantas com frutos em desenvolvimento. Acredito
que o sombreamento, que faz com que as plantas fiquem mais altas, é excessivo ao
ponto de inibir o florescimento (ver ponto de compensação luminosa).
Indivíduos de Hoffmannseggella crispata em seu ambiente mais típico, campo rupestre ferruginoso - canga nodular, a 1200 m de altitude.
Quando em campos graminosos nativos, seus pseudobulbos ficam altos e finos também, no entanto, as folhas ficam mais inclinadas para captarem menos energia luminosa (já discutido em "Epidendrum, fotossíntese e saturação luminosa"). Neste ambiente, que geralmente está uma altitude de 1100 a 1400 m na Serra da Moeda, a quantidade observada de indivíduos geralmente é pequena.
Nos campos rupestres ferruginosos canga couraçada, bem como nas lajes de quartzito, os pseudobulbos ficam mais baixos e arredondados (eficiência volumétrica de conservação de água, já abordado em "Cattleya walkeriana Gardner (1843) - anatomia, morfologia, fisiologia, ecologia e cultivo") e as folhas mais inclinadas. As plantas, também, tendem a adquirirem coloração avermelhada devido ao maior acúmulo de antocianina, que é um pigmento (antioxidante) protetor da radiação demasiada (que é oxidante!).
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Indivíduos de Hoffmannseggella crispata em canga couraçada na Serra da Moeda, 1550 m de altitude. |
Indivíduos de Hoffmannseggella crispata em laje de quartzito na Serra de Ouro Branco: folhas inclinadas, pseudobulbos avermelhados e arredondados. |
Falando em frutos, o tempo de maturação dos mesmos (até que
naturalmente se abrem) é maior do que um ano, sendo comum vermos indivíduos em
flores ainda portarem os frutos advindos de polinizações de flores do ano
passado (foto abaixo), investimento de recursos por parte das plantas que corrobora para uma alta
porcentagem de germinação das sementes in
vitro.
Tipicamente a
floração vai de julho a outubro, sendo o pico em agosto/setembro. Tem um período de
floração extenso, de maneira que tem aparecido híbridos naturais com outras
espécies de Hoffmannseggellas que
compartilham seu habitat.
A meu ver, a melhor maneira de se cultivar a Hoffmannseggella crispata é com vasos de plástico contendo brita 0 de construção (pedrisco) como substrato, sob uma tela de sombreamento de 35 %.
Algumas particularidades notórias da Hoffmannseggella crispata é a disposição compacta das suas flores no ápice do racimo floral, como que se projetando e se expondo melhor acima da vegetação adjacente, característica que não perde em cultivo, ou em qualquer dos tipos de ambientes citados. Outra característica marcante, no entanto não em todos indivíduos da espécie, é a borda das folhas avermelhadas / arroxeadas. Estas duas características também são vistas na Hoffmannseggella milleri (futuro post!).
A espécie tem como
sinônimos Cattleya crispata, Laelia
crispata, Sophronitis crispata, Laelia flava, dentre outros, a razão de eu
utilizar Hoffmannseggella crispata será
assunto de um futuro post também.
Abaixo fotos de outras flores que compartilham o habitat e a época de floração com a Hoffmannseggela crispata:
Referências citadas
Bioma Meio Ambiente
Ltda. (2016). Sobre a flora das Reservas Particulares do
Patrimônio Natural da Vale – Guia de espécies ameaçadas, raras e endêmicas
registradas. Nova Lima/MG. CD-ROM. 411p.Centro Nacional de
Conservação da Flora. Disponível em http://cncflora.jbrj.gov.br/portal/pt-br/profile/Hoffmannseggella%20crispata.
Acesso em 23/08/2016.
Fundação
Biodiversitas. 2016. Revisão das Listas das Espécies da Flora Ameaçadas
de Extinção do Estado de Minas Gerais. Disponível em http://www.biodiversitas.org.br/listas-mg/consulta.asp.
Acesso em 23/08/2016.
Neto, L. M., Alves, R. J. V., Barros, F., &
Forzza, R. C. (2007). Orchidaceae do Parque Estadual de Ibitipoca, MG,
Brasil. Acta bot. bras, 21(3), 687-696.
Neto, L. M., Matozinhos, C. N., de Abreu, N.
L., Valente, A. S. M., Antunes, K., de Souza, F. S., ... & Salimena, F. R.
G. (2009). Flora vascular não-arbórea de uma floresta de grota na Serra da
Mantiqueira, Zona da Mata de Minas Gerais, Brasil. Biota Neotropica, 9(4),
149.
Rezende, L.A.L; Dias, L.E.;
Assis, I.R. & Braga, R. (2013). Rehabilitation of ironstones outcrops degraded
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of the American Society of Mining and Reclamation, Laramie, WY Reclamation
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3134 Montavesta Rd., Lexington, KY 40502. p.287-294.
Santos,
H.G. Dos; Jacomine, P.K.T.; Anjos, L.H.C. Dos; Oliveira, V.A. De;
Lumbreras, J.F.; Coelho, M.R.; Almeida, J.A. De; Cunha, T.J.F.; Oliveira, J.B. (2013).
Sistema brasileiro de classificação de solos. 3.ed. rev. e ampl. Brasília:
Embrapa. 353p.
Teixeira, W. A., & de Lemos Filho, J. P. (2013). A flórula rupestre do Pico de Itabirito, Minas Gerais, Brasil: lista das plantas vasculares. Boletim de Botânica, 31(2), 199-230.
Teixeira, W. A., & de Lemos Filho, J. P. (2013). A flórula rupestre do Pico de Itabirito, Minas Gerais, Brasil: lista das plantas vasculares. Boletim de Botânica, 31(2), 199-230.
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