*Transcrevendo um texto que escrevi para o Boletim AOSP nº 15 (http://www.aosp.com.br/).
O Quadrilátero Ferrífero
Situado a centro-sudeste de Minas Gerais, possui uma área de aproximadamente
7.200 km2 (Figura 1).
Figura 1 - Localização geográfica do
Quadrilátero Ferrífero a centro-sudoeste de Minas Gerais. (Adaptado de Geopark
– Quadrilátero Ferrífero).
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Ao norte é delimitado pela Serra do Curral, ao
sul pela Serra de Ouro Branco, a leste pela Serra do Caraça e porção sul da
Cordilheira do Espinhaço, e a oeste pela Serra da Moeda, de modo que seu território
assemelha-se à figura que lhe dá o nome, que é completado pela sua geologia
originalmente rica em ferro. Essas serras prolongam-se formando cristas
rochosas que atingem altitudes de até 1600 m.
É uma área de tensão entre os biomas Mata
Atlântica e Cerrado, sendo que em solos mais profundos em um relevo mais abaciado,
ou grotas, e em altitudes que não ultrapassam os 1300 m, encontram-se os capões
florestais, com fitofisionomias[1] e
espécies vegetais típicas de Mata Atlântica, como jacarandá-da-bahia, perobeira,
quaresmeira (arbórea) e braúna. Já em solos rasos, declivosos, pedregosos, tanto
em cotas mais elevadas quanto mais baixas, encontram-se os campos graminosos,
limpos ou sujos, nesses últimos ocorrem em maiores quantidades plantas arbustivas
e arbóreas tortuosas, típicas de cerrado, como o pequizeiro, barbatimão,
quaresmeiras arbustivas (“quaresminhas”) e os
ipês (Figura 2).
O clima da região é do
tipo subtropical de altitude, com verão chuvoso e inverno seco. A média da
temperatura do ar no verão é de 21 ºC e no inverno 16 ºC, a precipitação
pluvial anual soma cerca de 1250 mm, e a umidade relativa é sempre alta (maior
do que 76 %, mesmo no inverno) (MESSIAS, 2011), o que combinado com a queda abrupta
de temperatura a noite proporciona um intenso orvalhar diário.
A transição entre os dois biomas e a diversidade
de ambientes conferem à região uma grande diversidade biológica, e elevada taxa
de endemismo[1] entre as espécies de
plantas e animais que ali ocorrem.
Economicamente o Quadrilátero Ferrífero responde
por crucial importância ao Brasil, pois é líder mundial em extração de minerais
metálicos, especialmente o ferro, atividade esta que encabeça o PIB nacional.
No entanto, essa extração combinada à ocupação urbana, desmatamento para
agropecuária extrativista, e turismo pouco criterioso vem resultando em intensa
alteração da paisagem.
A Hadrolaelia pumila (Hook.) Chiron &
V.P. Castro
A Hadrolaelia pumila (Hook.) Chiron &
V.P. Castro (2002) (ou Laelia pumila, Sophronittis pumila, Cattleya pumila) (Figura 3) é uma orquídea tipicamente epífita, e sua
ocorrência já foi reportada para os estados de Rio de Janeiro, Espírito Santo e
Minas Gerais (BARBERO, 2007).
É uma espécie bastante vitimada pela destruição
do seu habitat, e o fato de ocorrer em pequenas populações (poucos indivíduos
por área) faz dela especialmente vulnerável pela ação de coleta predatória.
Segundo a Lista Vermelha da Flora Ameaçada em Minas Gerais é categorizada como
em perigo de extinção em um futuro próximo (classe EN) (BIODIVERSITAS, 2007).
A partir indivíduos em cultivo, BARBERO (2007)
descreve morfologicamente a Hadrolaelia pumila da seguinte forma:
[1]
Espécies que só existem no local.
Figura 3
- Exemplar típico de Hadrolaelia pumila
em cultivo.
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“Rizoma 1,0-1,3 cm
compr. entre pseudobulbos; pseudobulbos delgados, 5,0-7,5 cm compr.,
homoblásticos. Folhas estreitamente elípticas ou lanceoladas, 9,5-14,5 cm
compr., 2,1-3,7 cm larg., ápice agudo ou obtuso, base atenuada, nervura central
proeminente. Inflorescência 1- 2-flora, pedúnculo
ca. 3,8 cm compr., brácteas florais triangulares, ca. 0,5 cm compr. Flores
brancas, róseas ou lilases, com labelo púrpura; pedicelo + ovário 4,7-5,6 cm
compr.; sépalas lanceoladas ou oblongo-lanceoladas, ápice agudo, a dorsal
4,5-6,3 cm compr., 1,1-1,9 cm larg., as laterais 4,5-5,9 cm compr.,
1,1-1,8 cm larg.; pétalas com âmbito elíptico, ligeiramente assimétricas, com
pequena reentrância no 1/3 superior, 4, 9-6,0 cm compr., 2,0-3,7 cm larg.,
ápice agudo ou obtuso, mucronulado; labelo 3-lobado, unguiculado, com âmbito
obovado, 4,7-5,7 cm compr., 3,6-5,0 cm larg., envolvendo o ginostêmio,
unguículo 0,2-0,4 cm compr., adnado à base do ginostêmio, lobos laterais
arredondados, margem ondulada; lobo central obovado, 0,9-1,2 cm compr., 1,8-2,8
cm larg., ápice fendido, fenda 0,1-0,4 cm de profundidade; ginostêmio
curvo, 2,2-2,5 cm compr.”
Nota sobre a ecologia das populações de
Hadrolaelia pumila do Quadrilátero Ferrífero
Acompanhando relatos de orquidófilos da região, bem como tendo acesso às informações
de relatórios de muitos estudos ambientais, além de uma série de idas a campo
em locais de acesso restrito, a espécie se comprovou muito difícil de ser
encontrada.
Ao longo do ano de 2014 foram encontradas duas populações, em duas áreas
distintas no município de Itabirito/MG (figuras 4 e 5), cada uma dessas
populações possuindo um número bastante reduzido de indivíduos.
Figura 4
- Área 1 de ocorrência da Hadrolaelia pumila.
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Figura 5
- Área 2 de ocorrência da Hadrolaelia
pumila.
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Chama a atenção o fato de que as touceiras encontradas tenderem a serem
relativamente velhas, grandes, com muitos pseudobulbos, então touceiras novas e
seedlings são mais raras de ocorrerem,
o que permite inferir uma baixa taxa de germinação das sementes e de
sobrevivência dos protocórmios[1],
culminando em baixa capacidade de povoamento.
Quando a planta está bem estabelecida a frequência de pseudobulbos
folhados é bem maior do que uma touceira caída no chão, ou aderida a uma árvore
em decomposição (Figura 6).
É plausível creditar esta pequena quantidade de folhas, diante do total
de pseudobulbos, à intensa translocação, ou reaproveitamento, de água e
nutrientes como o nitrogênio, fósforo e potássio, outrora acumulados nas folhas
mais velhas até que, por limitações recentes de acesso a esses recursos pela
planta, ela os envia para as partes em crescimento, o que promove a exaustão e
queda das folhas mais velhas.
[1]
Termo derivado do grego que significa “primeiro caule”, é o estágio inicial da
vida de uma orquídea recém germinada, e é uma fase bastante crítica, pois
necessita de condições bastante específicas.
Figura 6
– Touceira de Hadrolaelia pumila aderida
a uma árvore em decomposição, menos da metade dos pseudobulbos com folhas.
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As plantas de Hadrolaelia pumila tendem
a ocuparem posições medianas das árvores, tecnicamente o que seria do fuste
alto[1] até
copa interna[2],
e a abundarem em árvores nas bordas da mata, ou a beira de riachos, onde a
descontinuidade florestal permite uma maior entrada de luz (Figura 7). Também
foram encontrados indivíduos em uma árvore em ambiente aberto, sob praticamente
pleno Sol (Figura 8).
Quando ocorrem em ambiente mais sombreado as folhas tendem a serem mais
compridas, disporem-se horizontalmente e planas, e os pseudobulbos são mais
altos e de formato mais cilíndricos (Figura 9), ao passo que, quando em ambiente
mais ensolarado, as folhas são mais curtas, inclinadas e acanoadas[3], e os
pseudobulbos mais curtos e arredondados.
[1]
Parte mais elevada do tronco, antes do começo da copa da árvore.
[2]
Região dos galhos que formam a copa da árvore que fica mais próxima do tronco.
[3]
Dobram-se ao meio no sentido de seu comprimento, assemelhando uma canoa.
Figura 7
- Local de ocorrência típica da Hadrolaelia
pumila.
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Figura 8
- Indivíduos em ambiente ensolarado.
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Em mata mais fechada o microclima é mais úmido, portanto o ar menos
dessecante, aliado ao fato de receberem menos luz a auxina[1] tem
uma meia vida[2]
maior, e por isso as células alongam-se mais, o que reflete em folhas e
pseudobulbos mais alongados. Sob pleno sol a auxina é mais intensamente
destruída, resultando em diminuição de sua atividade e, por conseguinte, em
células e órgãos mais curtos.
As folhas menores em ambiente ensolarado reduz significativamente a perda
de água por evapotranspiração[3], e as
folhas mais inclinadas reduzem a captação de energia luminosa, potencialmente
mais intensa do que os tecidos das folhas suportariam, também o pseudobulbo
arredondado é mais eficiente (relação área superficial/volume interno) em
acumular água do que os mais cilíndricos.
Na figura 9 está uma das touceiras monitoradas ao longo do último ano, quando
encontrada a mesma possuía um fruto originado na floração de 2014, e seguiu sem
novas brotações até janeiro de 2015, fato que chama a atenção é a extrema
rapidez em que as gemas entumecem, os pseudobulbos se desenvolvem e as flores
se abriram após isso, em fevereiro de 2015.
[1]
Hormônio vegetal responsável pelo alongamento celular, é destruído por luz
(fotodegradação).
[2]
Tempo em que a quantidade inicial de um composto se reduz pela metade, e assim
sucessivamente, até restar em quantidade pouco significativa. No caso da auxina
sob luz o tempo de degradação é maior do que no escuro.
[3]
Termo criado pela combinação de transpiração (água saindo do interior do corpo
de um ser vivo para o meio externo) e evaporação (água já na superfície da
folha que vai para a atmosfera).
Figura 9
– Touceira em 5/08/2014 (a); touceira em 14/01/2014 (b), e; touceira em
20/02/2015 (c).
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Em março de 2015 dois novos frutos já se desenvolviam, e o fruto de 2014 se
encontrava em estágios finais de maturação (Figura 10).
Figura 10
- Dois novos frutos no ano de 2015, e o fruto de 2015.
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É plausível que as flores mais expostas sejam mais facilmente avistadas
por agentes polinizadores, potencialmente abelhas e beija-flores, onde num
primeiro momento se espera uma maior incidência de frutos, no entanto, nessas
condições é, aparentemente, também mais avistada por insetos que delas se
alimentam, de maneira que as touceiras em ambientes mais abertos não só não
apresentavam vestígios de frutos formados em outras florações, como também na
ocasião as flores estavam intensamente danificadas por insetos, e muitas delas
já senescentes (Figura 11).
Figura 11
– Ausência de vestígios de frutos e algumas flores comidas e já senescentes
(pendúculos amarelados).
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Os capões florestais onde ocorrem as Hadrolaelia
pumila correspondem a florestas subperinifolias[1], de
maneira que preserva maior umidade no ambiente, mesmo ao longo dos meses mais
secos, fato importante para que os incêndios anuais, extremamente severos, não
ultrapassem os limites dos campos graminosos, na época acentuadamente secos.
Esses habitats orquídea estão sendo mantidos em sigilo e intactos por
hora, mas a gama de adversidades possíveis é grande.
Referências citadas
BARBERO, A.P.P. 2007. Flora da Serra do Cipó (Minas Gerais, Brasil): Orchidaceae
- Subtribo Laeliinae. São Paulo. 107p. (Dissertação de Mestrado).
BIODIVERSITAS. 2007.
Revisão das Listas Vermelhas da Flora e da Fauna Ameaçadas de Extinção de Minas
Gerais – Relatório Final, Volume 2. Belo Horizonte. 69p.
GEOPARK. 2015.
Geopark – Quadrilátero Ferrífero, disponível em < http://www.geoparkquadrilatero.org/?pg=principal>, acessado em 28 de março de 2015.
MESSIAS, M.C.T.B. 2011.
Fatores Ambientais Condicionantes da Diversidade Florística em Campos Rupestres
Quartzíticos e Ferruginosos no Quadrilátero Ferrífero, Minas Gerais. Ouro
Preto. 119p. (Tese de Doutorado).
Otima Matéria!!! Muito esclarecedora para se conhecer o clima que a planta vegeta de verdade... abraço!
ResponderExcluirParabéns pelo trabalho, não sabia desta ocorrência as vezes em tempo aberto. Sempre em seus trabalhos possuem referências significativas a ser seguida, outra vez, parabéns.
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