terça-feira, 18 de março de 2008

Ilha de Cabo Frio

Oportuna viagem à Ilha de Cabo Frio, pela disciplina de Pedogeomorfologia oferecida na pós-graduação daqui do Departamento de Solos da UFV. Na disciplina são apresentados alguns aspectos de solos e de geologia na interpretação de ambientes e suas implicações com a ecologia, inclusive ecologia humana.

A ilha, de controle da Marinha do Brasil, dista cerca de 120 km da capital do RJ, localizada na denominada Região dos Lagos do Rio de Janeiro, região com muitas peculiaridades dentre elas o índice pluviométrico, pois enquanto na capital chove mais de 2000 mm por ano, nesta região chove pouco mais de 800 mm, o que caracteriza o clima semi-árido, em pleno litoral da região Sudeste do Brasil. Além dos ventos intensos que proporcionam constantes sprays salinos. A concentração de sal (cloreto de sódio) é maior neste ambiente em relação às áreas adjacentes, justamente pelo clima seco e as águas relativamente mais paradas, bem como ausência de cursos de água doce desaguando no mar nas proximidades.








Nas fotos abaixo, verão um perfil de um tipo de solo de origem antropogênica, feito pelo homem, mais conhecido como sambaqui. Na foto à direita, verão uma pedra, provavelmente uma ferramenta usada por alguém à 6000 anos atraz para quebrar conchas, reparem na concha acima da pedra, uma espécie de caracol, não me recordo a espécie, muito comum hoje em dia nas áreas remanescentes da Mata Atlântica no interior do país, eu mesmo acho com muita facilidade no interior de SP, isso significa que onde hoje ainda (à frente verão o por quê de 'ainda') predomina uma vegetação de Caatinga outrora foi uma vegetação de Mata Atlântica

Notem nas fotos camadas mais e menos espessas ao longo da profundidade do solo (perfil). Na ilha atualmente não existe qualquer fonte de água potável, e esses povos nômades não viveriam ali sem água, clima mais úmido, água doce na ilha, vegetação mais exuberante e camadas mais expeças de conchas depositadas pelo maior número de gente vivendo no ambiente ou também pelo maior tempo de estadia dessa gente no local.












Este solo foi formado pela constante deposição de conchas, ossos de peixes e outros animais consumidos pelos povos primitivos que habitaram ali a mais de 6000 anos. Esses povos assemelhavam-se mais aos aborígines encontrados ainda na Austrália (ver Luzia, a mulher de Lagoa Santa/MG) do que aos próprios tupis encontrados na América com a descoberta do Novo Mundo pelos europeus nas idas dos anos de 1500 (1492 - Colombo). Acredita-se que esses primeiros habitantes das américas foram exterminados pelos tupis, estes com armas e ferramentas mais sofisticadas na época.

Na foto ao lado, uma ponta de flecha, ou de lança, trazida de fora da ilha para ali por algum povo que já dominava a arte da caça. Trazida de fora porque o material na qual foi confeccionada, o mineral quartzo, praticamente não é encontrado desta forma nas rochas que formam a ilha, no caso, principalmente as rochas nefelina sienito, e um outro tipo de rocha formada a partir de cinzas vulcânicas (abaixo à esquerda) e também basalto (abaixo direita). Testemunhas de importantes eventos tectônicos e magmáticos.










Já ouve ligação entre a ilha e o continente, de modo que permitisse as idas e vindas dos povos primitivos, tais como de algumas espécies de répteis (na ilha existe uma densidade muito grande de serpentes, basicamente corais, jararacas, cascavéis e caninanas, fomos alertados várias vezes quanto a necessidade de checarmos constantemente por onde passávamos, além dos calangos que são a base alimentar de boa parte dessas, e de mamíferos como o gambá, hoje também ilhados mas em grande quantidade na mesma pela fartura de comida na ilha, especialmente esses répteis e ninhos de aves).










Ao lado, outro registro das variações climáticas na região, um padrão de intemperização de rocha em camadas, tecnicamente esfoliação esferoidal, resultando neste aspecto de camadas da cebola. Isso é resultado de climas mais úmidos hidrolisando, desmanchando, os minerais que formam as rochas, e alternadamente os climas mais secos em que praticamente não existiam mais hidrólise das rochas. Algo semelhante aos anéis nos troncos de árvore indicando crescimento da planta no verão e dormência no inverno rigoroso nas localidades mais frias do planeta.


A praia de areia branquinha é formada pela deposição dos grãos de areia trazidos pelos fortes ventos vindos do continente, pois são formadas de quartzo. São grãos de areias relativamente menores que os que vemos em muitas outras praias por aí, mais arredondados e micro fraturados (por isso a impressão de serem brancos), portanto bastante velhos e "viajados" ao longo do tempo. As águas possuem aspectos de azul justamente por isso, o fundo branco do mar reflete o azul do céu, dando esta impressão, e a água por sua vez bastante translúcida grandemente devido à alta concentração de cloreto de sódio (agente dispersante de sedimentos) o que faz com que a dispersão de sedimentos enturbecendo a água seja mínima.


Há cerca de 11.000 anos atrás (início do Holoceno), no fim da última glaciação, o nível médio dos oceanos era cerca de 150 m abaixo do nível atual, o que significa mais seca adentro dos continentes, o que significa também formas de vegetação mais adaptadas às regiões secas, no caso a Caatinga, ganhando espaço colonizando áreas onde outras não sobreviveriam. Na Região dos Lagos do Rio de Janeiro as espécies remanescentes da Caatinga podem ser encontradas no nordeste brasileiro.


A etimologia da palavra Caatinga é mata branca, reparem quantos contrastes, líquens de Mata Atlântica epifitanto "galhos brancos" das espécies típicas de Caatinga. Também espécies de samambaias epífitas de Mata Atlântica sobre cactáceas (Cereus sp. e Cephalocereus sp. - típicas das Caatingas do nordeste brasileiro). Ambas evidências de que avançamos desde então para climas mais úmidos/chuvosos.

















Na ilha é nítida a compartimentalização das espécies em função dos atributos geomorfológicos e pedogeomorfológicos ('pedo' no grego quer dizer terra ou solo) do local. Por exemplo, Caatinga típica, strictu sensu, onde o solo é bastante raso, nas encostas mais declivosas nas faces da ilha voltadas ao mar aberto, reparem nas fotos cactos e bromeliáceas dominando a paisagem.










Também na região dos Lagos, mas fora da ilha, onde existem Latossolos (este provavelmente por causa dos cupinzeiros, mas aí já é outra história) e Argissolos, que são solos caracteristicamente mais profundos, e com menor pedregosidade e maior capacidade de retenção de água, existem as Matas Secas, que são que uma variação da Mata Atlântica, onde que para a maioria das espécies arbóreas e arbustivas a perda das folhas na estação seca é típica.


Na ilha, ao longo dos canais de drenagem da paisagem, grotas, existe um microclima mais úmido, espécies de Mata Atlântica dominando, inclusive palmeiras.


Finalmente falando de orquídeas, notei uma quantidade grande de Sophronitis cernua, tanto como epífitas quanto rupícolas, tanto mais à sombra quanto sob insolação direta ao longo do dia todo, em faces de rochas voltadas ao leste, oeste, norte e ao sul, aparentemente sem distinção, o que me deixou bastante encafifado.




















































Essas Sophronitis cernua são preciosas, vivem sob pleno Sol, em um regime de chuvas de semi-árido e recebendo constantes sprays salinos.

Aparentemente florescem mais tarde que as outras que conheço, de altitudes que vão de 600 m a 1200 m acima do nível do mar, nos estados de SP e de MG, pois ainda estavam com frutos. Ou seria por que as plantas desta sub-espécie, Sophronitis cernua litoranea, demorariam mais tempo por capricharem mais na formação dos embriões das sementes aumentando assim as chances de perpetuação da espécie neste ambiente mais hostil?


Algo semelhante acontece com muitas outras rupestres, também em climas semi-áridos, como as Hoffmannseggellas (tanto as de campos rupestres da Zona da Mata quanto nos campos rupestres do semi-árido, como mais ao norte da Cordilheira do Espinhaço), que em todas oportunidades que até hoje tive de observar e semear seus cruzamentos, as suas sementes germinam na sua totalidade, embora nos habitats dessas sejam muito raras as observações de seedlings, ao contrários do que facilmente se vê em matas ciliares ou em florestas ombrófilas altimontanas como nas encostas do Itatiaia (breve um post sobre uma viagem à estas).