quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Serra do Cipó III

Agora um pequeno campo rupestre entremeado à afloramentos de quartzito, localizado próximo à MG - 010 e a poucos metros do capão florestal apresentado em Serra do Cipó II.

Nos parece que este campo rupestre sofreu uma coleta seletiva de orquídeas no passado, pois somente encontramos dois únicos indivíduos do gênero Hoffmannseggella (as também conhecidas Laelias rupestres). Não estavam floridos, mas pareciam ser da espécie Hoffmannseggella longipes

Seletiva porque a degradada estrada de terra que o margea era antigamente a própria MG - 010, e essas orquídeas quando floridas chamam muito mais atenção que as outras, especialmente a atenção dos leigos.

Soma-se a isso a extrema dificuldade de recuperação desses ambientes, algo que já escrevi nas listas de discussão sobre orquídeas do Yahoo.

Esta extrema dificuldade em recuperação observamos sempre que vamos a esses geoambientes, pois neles são absolutamente difíceis de se encontrar seedlings dessas espécies, por mais preservados que aparentemente estejam, ao contrário do que vemos constantemente em habitats com condições menos extremas, como  de matas ciliares, por exemplo, onde quando se tem orquídeas muito comumente encontramos muitos seedlings de suas espécies.

As hipóteses para isso estamos discutindo com mais propriedade no "Geoambientes do Parque Nacional da Serra do Cipó e suas orquídeas", dentre elas seria a baixa sobrevivência dos fungos micorrízicos que são essenciais à germinação das sementes (como dizia um antigo professor no curso de agronomia: "sementes germinam, quem nasce é bezerro", e ai daqueles que soltavam algo do tipo "o milho nasceu" na frente dele...). 

Baixa sobrevivência dos fungos micorrízicos possivelmente devido aos altos valores de calor específico das rochas que predominam nos topos das nossas paisagens, hora ricas em silício e hora ricas em ferro.

E mesmo após as sementes germinadas, caso os fungos estivessem estabelecidos e colonizando as superfícies das rochas, as plantinhas teriam que sobreviver a amplitudes térmicas e hídricas muito grandes e, a isso se soma as limitações de nutrientes minerais existentes e disponíveis nesses ambientes de baixa fertilidade natural.

Por isso talvez o que normalmente se nota são relativas "grandes ilhas" de touceiras para esse grupo de orquídeas que habitam predominantemente esses geoambientes, vide fotos abaixo, como que se o mais difícil para essas plantas fosse justamente se estabelecerem, mas que a partir disso, elas fossem capazes de irem criando e mantendo seu próprio nicho, ou "pacote", de sobrevivência da espécie, como aquela conversa que o Richard Dawkins conta no O Gene Egoísta. 











Por falar em genes egoístas, pensamos que talvez as orquídeas e os demais indivíduos de outras famílias botânicas que predominam nesses ambientes possuam um que de estrategistas-R, pois aparentemente investem muito na reprodução (para compensarem a hostilidade do ambiente evoluíram para isso?!).

Investimento que é nítido quando visitamos esses geoambientes que quando ricos em orquídeas, na época certa do ano, estão repletos de frutos nessas (mistura-se nessa idéia a alta eficiência dessas atraírem os polinizadores em suas flores e serem fecundadas, etc.). E pelo que a gente vem notando em nosso dia a dia de semeio in vitro de diversos gêneros e espécies de orquídeas, as sementes dessas possuem as melhores qualidades ou taxas de germinação, independentemente do tipo de cruzamento das quais originaram (se self  ou cruzada), em outras palavras, parece existir um investimento muito grande das matrizes na formação de sementes saudáveis, com embriões vigorosos. 

Talvez o termo estrategista-R não seja adequado porque as mesmas não deixam um elevado número de descendentes no ambiente, mas no que cabem a elas, elas capricham.

Abaixo Acianthera teres com fruto.


Outra coisa padrão nesses geoambientes são as plantas colonizando, ao menos em um momento inicial das touceiras (touceiras pequenas), unicamente os caminhos das drenagens, as fendas propriamente ditas, onde justamente há mais solo e consequentemente mais recursos para a sobrevivência de ambos, fungos e orquídeas, como as fotos abaixo, à esquerda uma Bifrenaria sp. e, à direita algumas Acianthera teres.











Aí entramos nas antigas divergências do conceito de "solos", especialmente no que se refere à profundidade mínima para uma camada de um determinado material fragmentado ser considerado "solo", pois esses 1, 2 ou 3 cm de profundidade que seja, parecem ser condicionantes à sobrevivência dessas plantas e de muitas outras de várias famílias vegetais nesses geoambientes, de solos rasos.

Olhando para essas orquídeas percebemos também o quanto o gravitropismo positivo é acentuado para as raízes, pois as mesmas predominantemente estão bem acomodadas por entre as fendas das rochas, ao contrário do que ocorre com as espécies predominantemente epífitas de mata, mesmo quando essas eventualmente estão habitando superfícies de rochas.

Evolução. Os genes abrindo uma gama de potenciais e, o ambiente por sua vez, definindo qual dentre os potenciais serão utilizados no dado ambiente em que se encontra o organismo. Se não houver certo potencial genético, não haverá manifestação de certas características. Uma conversa para um futuro post.

Entende-se por gravitropismo positivo o crescimento que acompanha o sentido da força gravidade.

No nosso livro traremos mais discussões e embasamentos científicos sobre outras componentes chaves que integram esses geoambientes, bem como de suas relações. 

Segue foto de uma cactácea cujos epicarpos dos frutos são azuis. Bonito.


segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Serra do Cipó II

Agora chegando em um capão florestal de difícil acesso. Abaixo à esquerda arrumando a estrada na base da enchada, e à direita uma das muitas espécies de sempre - vivas (Eriocaulaceae) da região.











Uma Floresta Ombrófila, caracterizada por ocupar ambientes de umidade atmosférica constantemente elevada ao longo do ano todo, de acordo com o Elton, associada a solos mais profundos, no contexto da Serra do Cipó.











Mata com iversas espécies de orquídeas, como as Brasilidium praetextum
















Espécies terrestres:















































Abaixo, uma da extremidades desse capão, um pasto, com uma Veloziaceae de grande porte, mas nada em comparação às velozias gigantes pelas quais o Parque também é conhecido, e à esquerda, a flor de uma Iridaceae, no meio do pasto.













A mata deste capão florestal é secundária, o que é nítido quando vemos testemunhas do que aquilo já foi, como as duas árvores na foto, abaixo à esquerda uma peroba - amarela e uma Lauraceae. também fragmentos de carvão pelo chão da mata, à direita.














Os solos que no geral sustentam as florestas são pobres (vide Florestas, solos pobres e ciclagem biogeoquímica, também no Geófagos), a vegetação extremamente dependente da ciclagem biogeoquímica de nutrintes, ou seja, partes das plantas vão morrendo, caindo na superfície do solo, se decompando e os nutrientes alocados nos órgãos mortosi voltam a integrar um outro ser vivo ao serem reabsorvidos pelas árvores.

Reparem como as raízes das árvores nas matas são superfíciais.











Abaixo, uma sequencia do trabalho de amostrar a manta orgânica, primeira etapa para as análises cujos resultados ajudarão à embasar a tese do Elton:






















Uma outra espécie de Epidendrum:











Algumas das principais pragas da orquidofilia, ocorrendo naturalmente neste ambiente, caramujo e vespinha das raízes, esta última em uma raíz de Epidendrum, o que é pouco comum nos orquidários domésticos, pois normalmente estas preferem as raízes das espécies do gênero Cattleya.









Outras coisas bonitas de se ver:














Interessante o contraste de pigmentação entre as duas superfícies das folhas de algumas espécies, à direita uma Miconia sp., indicativo de solos pobres:











No meio da tarde a névoa se dissipa e o Sol incide sobre e sob o dossel:




Um pôr do Sol no Cipó, com seu único aspecto desagradável, as mutucas:











Nunca antes havia presenciado um pôr do Sol deste, o horizonte e os objetos refletem uma mistura de amarelo com cor de rosa. Impressionante!

Serra do Cipó I

Esses posts sobre a Serra do Cipó são apenas passeios do livro "GEOAMBIENTES DO PARQUE NACIONAL DA SERRA DO CIPÓ E SUAS ORQUÍDEAS", que venho escrevendo com o amigo Elton Valente a alguns meses. Pretendemos concluí-lo no começo de 2009.


O Elton está por concluir seu doutorado aqui no Departamento de Solos da Universidade Federal de Viçosa, quando justamente estudou de maneira única até então os gradientes vegetais de algumas áreas dentro e outras próximas do Parque Nacional Serra do Cipó. Sua pesquisa diz respeito às relações entre os solos e as várias formações vegetais e suas fitofisionomias, e servirá de subsídio científico para futuros rumos do Parque. Também é co-autor do blog de divulgação científica Geófagos.

Os amigos Elton e Ítalo Rocha (também do Geófagos) já postaram algo sobre a área em questão, para verem seus posts cliquem nos links: Gradientes de solo e vegetação nas partes elevadas da Serra do CipóEcologia de paisagens e a Serra do CipóPedologia, ciência histórica IIO caminho das plantas e Fui à praia.

A Serra do Cipó é a porção mais ao Sul da Cordilheira do Espinhaço, esta por sua vez se estende até o norte do Estado da Bahia. Na Cordilheira predominam os quartizitos, que são rochas de origem metamórfica, formadas "basicamente" pelo tratamento de altas pressões e altas temperaturas que os arenitos sofreram. E os arenitos por sua vez formaram-se a partir da cimentação dos grãos de areia. Costumo brincar que com mais "5 min geológicos" esses quartzitos seriam vidros, exageros a parte...

E a areia, da praia, como disse o Ítalo em seu post Fui à praia, muito provavelmente havia um mar ali, no, Pré-cambriano, (período compreendido entre 4,5 bilhões e 540 milhões de anos atrás), ou ao menos cursos d'água com bastante força para ter transportado grãos de areia de quartzo que são minerais bastante densos.

Um mar formado a partir da formação de um rifte, que é o aprofundamento do terreno concomitante ao afastamento de suas bordas (grosso modo), o Rifte Espinhaço, a partir daí para este imenso rifte se transformar no destino principal das águas drenadas nas intermediações provavelmente foi um "pulo", de poucas eras geológicas.











Este afastamento seria devido ao tectonismo de placas, a América do Sul desprendendo e se distanciando do Continente Africano.

Quando os continentes se reencontraram, aquela imensa falha (zona frágil) foi espremida e soergueu, o que metaformizou os arenitos originando então os quartzitos, em um processo de milhões de anos. 

Já repararam que o Itatiaia, Serra do Brigadeiro e o Caparaó possuem uma tendência de se estenderem na direção Norte - Sul??? Coincidência?!

Abaixo foto das cristas de quartzito observadas a partir da MG - 010, notem que estão "penteadas" no mesmo sentido.



A Serra do Cipó é famosa também pelos inúmeros sítios arqueológicos e paleontológicos ali encontrados.

Foi ali encontrada Luzia, o fóssil humano mais antigo das Américas até então encontrado, estima-se que tenha cerca de 11 mil anos, dentre alguns fósseis de preguiças gigantes e de outros animais extintos antes do Holoceno (entre 11 e 10 mil anos atrás). 


Os fósseis relativamente preservados são encontrados nas áreas influenciadas por rochas calcárias, que por garantirem uma atividade maior de cálcio no solo evitaram que os ossos dos animais tivessem se degradados ("dissolvidos") com o tempo, emm outras palavras, materiais ricos em cálcio não se dilúem em meios  repletos de cálcio. Essas rochas calcárias também são evidências do mar que havia ali, pois muito provavelmente foram formadas a partir de uma grande contribuição da sedimentação e acúmulo de animais marinhos com carapaças ricas em cálcio, e essas rochas sedimentares, assim como os arenitos, sofreram metamorfismo, tornando-se relativamente mais resistentes a se intemperizarem (desmancharem-se) com o tempo.

A região recebe anualmente muitos turistas devido aos inúmeros e belos recursos naturais, tais como montanhas, grutas e cachoeiras, possui uma extensa infraestrutura de hospedagem, de hotéis com algumas estrelas à áreas de camping somente com chuveiros. Fica a menos de 90 km de BH. Muito visitada também por pessoas que buscam experiências místicas e ufológicas.

Abaixo, a Pedra do Elefante, à beira da MG - 010.

Na beira da MG - 010 também, a estátua do Juquinha.














Agora, foto de um trecho do Rio Cipó:



Como citado, a Cordilheira do Espinhaço se estende no sentido Norte - Sul, de BH até o extremo norte do Estado da Bahia, e é uma barreira física para a umidade que vem do oceano adentrar mais ao continente.

Como consequências disso, nada mais, nada menos, temos que a Leste dela, nos Estados de Minas Gerais e Bahia, temos o Domínio da Mata Atlântica, caracterizada por espécies vegetais mais exigentes às condições mais úmidas, e à Oeste, temos o Domínio do Cerrado, com espécies de climas mais secos.

Nas fotos abaixo é nitida a massa de ar úmida concentrada no topo da Cordilheira. Vista da beira da MG - 010, às 8h30 da manhã, aproximadamente, no auge do inverno, que é seco.