terça-feira, 7 de abril de 2009

Habitats de orquídeas no Quadrilátero Ferrífero 1/2

Uma floresta tropical, não sei para onde olhar...”, escreveu Charles Darwin em seu diário relatando a sensação que teve em seu primeiro contato com uma floresta tropical, o que aconteceu durante uma parada do Beagle no litoral do Estado da Bahia em fevereiro de 1832. Estava ele pisando em um dos maiores hots spots de biodiversidade do planeta, uma fraçao do Bioma Mata Atlântica no Sul da Bahia.

Fico pensando: “E se Darwin tivesse conhecido um geoambiente de campo rupestre do Sudeste do Brasil, o que ele observaria e escreveria a respeito?!”.


De uma maneira geral todos os habitats de orquídeas que conheci tinham algo de interessante, novo, curioso e bonito, mas meu sentimento em um campo rupestre é diferente, não sei explicar, é mais do que admiração e curiosidade. Neles a sensação de se ter viajado ao passado é constante, porque suas paisagens estão entre as mais antigas do Brasil, ou seja, que menos se alteraram nos últimos 70 milhões de anos, mas por outro lado, algo de perspectiva de futuro, embora acompanhada da preocupação da possibilidade de não haver este privilégio.

A sensação de não se “saber para onde olhar” é permanente diante de muitos paradoxos nesta paisagem cinza misturando-se na maior parte do ano com o pardo, e que esconde muitas cores berrantes que estranhamente só ficam contrastantes depois de certa atenção, por exemplo, fixa-se o olhar no cinza e aparece um carnaval de cores de liquens, e fixa-se o olhar no pardo da vegetação que está a 1 m de distância e aparecem flores de todas as cores que se pode imaginar, e o problema é este, em pouco tempo aprendemos que é só prestar atenção que as coisas aparecem, e há muito o que ver e não dá tempo para dar a devida atenção a tudo.

Altitude maior que 1.000 m, umidade relativa alta, sensação térmica agradável, porém desidratação e queimadura solar nos braços e pescoço no outro dia incomodando, plantas disputando intensamente cada fresta de quartizito que tenha 1 cm a mais de profundidade de solo, e a briga fica ainda mais feia na medida que o solo se torna mais profundo acompanhando a rede de drenagem do terreno, um cupinzeiro escavado a partir do topo (será que terei a sorte de ver algum tamanduá?), calangos correndo em cima das rochas (cadê a cascavel ou jararaca?), beija-flores curiosos nos investigando, abelhas selvagens sem ferrão lambendo o suor dos nossos braços, em volta muitas flores melíferas (se aparecerem abelhas africanizadas para onde eu corro? – tive uma experiência desagradável certa ocasião e hoje prefiro topar com uma jararaca)...

O grau de endemismo é muito grande, e as espécies tendem a se distribuírem em ilhas, o que as torna ainda mais vulneráveis.

Nos campos rupestres as coisas são hostis, o potencial genético dos organismos em sobreviver compensando certos fenômenos ambientais é determinante, e talvez seja nesses genes que estejam o futuro da agricultura, pois há plantas que vivem com quase nada de nutriente. Qualquer grau de inclinação da folha de uma planta (post clicando aqui), tamanho de fresta na rocha e posição em relação ao Sol faz muita diferença.

Lugar de alta ocorrência de fogo selecionando espécies altamente especializadas em se protegerem, como as Veloziaceae com fibras bastante silicosas e o barbatimão com uma camada isolante bastante espessa de cortiça.

A geologia predominante no Quadrilátero Ferrífero é composta pelas rochas quartzitos e as rochas exploradas como minério de ferro, por exemplo, o itabirito. A origem dos quartizitos é areia de um mar que outrora existiu na região, como comentado de maneira bem superficial aqui (Serra do Cipó I), e a origem dos minérios de ferro é algo como a lama de um mar mais calmo, ou seja, um material mais fino ou mais argiloso e mais rico em ferro, transportado por águas mais fracas que acumulou, concentrou ainda mais o ferro ao ter os outros elementos lavados para embora do sistema e virou rocha. Ambas rochas são de composição relativamente homogêneas, e pobres em elementos nutrientes, então mesmo os solos sendo relativamente jovens (rasos e formados mais recentemente pelas alterações das rochas) eles são bastante pobres em nutrientes (solos novos formados de rochas ricas são bastante ricos em nutrientes, tornando-se pobres e mais profundos com o tempo), o que não permite uma atividade biológica muito intensa, o que ajudaria ainda mais a “desmanchar” essas rochas ao longo do tempo, além do fato da própria natureza dos cimentos dessas rochas (substâncias que mantém unidas os minerais que as constituem) serem extremamente eficientes em conferirem maior resistência às mesmas (no quartizito silício cimentando sílica; e nos minérios de ferro o ferro cimentando o próprio ferro, com alguma participação também do silício cimentando o ferro).

Estas rochas que hoje ocupam os topos dessas paisagens são como os “ossos mais duros do tempo roer”, o que muito contribui para que as paisagens sejam das mais antigas, mesmo muito tempo depois do soerguimento do relevo pela tectônica de placas. Então, rochas do passado originaram solos que foram erodidos e acumulados nas baixadas da extinta paisagem, e esses materiais de solos deram origem a estas rochas atuais, que, com a ajuda do encontro dos continentes, hoje ocupam os topos da paisagem. Granitos aflorados na superfície tendem a terem formas arredondadas, mas os quartzitos tendem a serem pontiagudos exatamente por serem mais resistentes às interpéries..

Abaixo algumas plantas interessantes:












Observem que há plantas somente nas frestas:


Líquens interessantes:


Testemunha do fogo:


Paisagem:






Solo mais profundo (ainda apenas 10 cm) campo graminoso:



Solo ainda mais profundo, vegetação de Floresta Ombrófila Altimontana:




3 comentários:

Curimã Hei, Curimã Lambaio!! disse...

Magnifíco trabalho! Esse tipo de abordagem acrescenta outra visão de mundo para quem se interessa pela temática e ainda não tem o entendimento necessário, bem como àqueles que conhecem o assunto em maior profundide. Você consegue ser técnico e acessível em suas explanações! Parabéns...O que seria de nós sem o Marcus! Hehehe!!! Abraços de uma grande admiradora!!!

Marta disse...

oi, Marcus,
bélissimo este texto, mostra sua paixão - só um porém:
os morros de granito são arredondados devido à sua formação original (lava hiper-ácida de alta densidade) e ao tipo de clivagem da rocha, que chamamos de acebolado - a rocha granítica vai se quebrando ou se desgastando (devido aos extremos térmicos - ou choques térmicos e águas) em camadas. outras rochas, como o basalto, em colunas, o quartzo, em areia, e assim por diante. ok?

abraços, com muitas pesquisas e Kb de flores

Marcus V. Locatelli disse...

Obrigado pelos comentários!!!
Mas Marta, ainda discordo...
Sem dúvida a clivagem como bem disse é uma propriedade intrínseca que caracteriza os tipos de rochas e minerais, mas independentemente disso os granitos não quebram já arredondados, então num primeiro momento com o intemperismo físico (quebra e fragamentação de um corpo rochoso maior) os fragmentos são todos quinados, a diferença é que os quartizitos são mais duros e demorados arredondar do que os granitos pelas intempéries .
A própria composição dos granitos condicionam que eles sejam mais intemperizáveis que os quartizitos, no final a tendência é tudo que está na superfície ficar arredondado e depois plano, só que umas coisas demoram mais.
"O tempo arredonda até diamante", como diria um professor aqui.