domingo, 12 de abril de 2009

Nesta mata tem orquídeas?

Um dos tópicos da minha palestra sobre ecologia de orquídeas é buscar desenvolver o raciocínio para interpretações das relações entre os solos e as formações vegetais, assim como algo mais aprofundado estará em "Paisagens, habitats e ecologia de orquídeas".

 

Fiz o EdafoPedos com a intenção de não misturar muito os dois assuntos que tanto gosto, solos e orquídeas, mas acabo de ver que vai ser difícil não misturá-los eventualmente.

 

O conhecimento sobre as relações existentes entre os solos e a vegetação aplicam-se, por exemplo, no subsídio técnico de planos de manejo de parques e de outros tipos de áreas de preservação, pois temos os solos como os grandes estratificadores dos ambientes e conseqüentemente dos nichos ecológicos que os seres vivos ocupam.

 

Os tipos de solos mesmo que em pequenas áreas podem variar bastante, e com isso as formas de vida que o habitam, especialmente as fitofisionomias, em outras palavras, se os solos mudam, geralmente as espécies de árvores e/ou arbustos também de forma abrupta, e com isso as espécies de orquídeas e bromélias epífitas e até mesmo os animais vão juntos.

 

Certa vez tive a oportunidade de acompanhar um amigo em uma coleta de amostras de solos em um parque nacional, ocasião em que este também fez a apresentação oral do relatório do meio físico (solos, geologia e relevo) no qual a equipe que ele integrava fez para este parque, lembro da diretora deste parque comentado o episódio em que estava presente um botânico pesquisador antigo da área, muito respeitado nacionalmente e internacionalmente, inclusive descobridor de espécies de plantas  novas para a ciência naquele parque, que durante uma outra ocasião em que foi apresentada uma versão preliminar deste relatório este pesquisador comentou:"trabalhei aqui a vida toda e só agora depois da apresentação de vocês fui entender um pouco o porquê de certas espécies ocorrerem onde ocorrem!".

 

Mais um episódio em que é nítida a importância de se integrar diferentes tipos de conhecimentos para que a ciência não ande em círculos, para que avance.

 

É essencial também levar em consideração o aspecto antropológico para se entender um pouco a vegetação, ainda mais em áreas imensamente antropizadas que ocorrem na região Sudeste do Brasil.


A partir daqui apresento superficialmente dois "estudos de caso" de uma discussão muito longa e cheia de detalhes a se considerar.


Abaixo fotos de uma ida à zona rural de Guaraciaba/MG, Zona da Mata de Minas Gerais, uma região que foi imensamente desmatada e cultivada com café durante o ciclo de ouro do café no Brasil, nas idas do final do séc. XIX e início do séc. XX.

 

Reparem nos pontos prateados no meio do verde escuro da mata secundária. Tratam-se de embaúbas ou banana-de-macaco ou árvore-de-preguiça (Cecropia sp.), árvores geralmente de ocorrências associadas às matas secundárias, e não sei se seria correto subdividir ainda como fase de início da mata secundária (mas a idéia esta aí), por isso são boas indicadoras de "idade da mata". Mata muito prateada por causa das embaúbas por aqui na região é mata mais jovem.




Tenho notado que há algo como uma sucessão ecológica tabém entre as espécies e gêneros da família Orchidaceae, como a sucessão de capoeira recém formada em uma área desmatada para mata secundária e posteriormente em uma mata terciária ou de clímax, mais equilibrada. Geralmente (de novo, geralmente!), primeiro aparecem algumas terrestres, como Oeceoclades maculata, por exemplo, depois epífitas como algumas espécies dos gêneros PolystachiaCatasetumEpidendrum Maxillaria. Deixando claro que esta divisão em gêneros é um tanto grosseira e não traz consigo muitas informações quanto às necessidades de nichos ecológicos de que estas plantas necessitam, servindo apenas como um indicativo grosseiro, enquanto que ainda não refinamos mais. 

Matas altas geralmente dão a impressão de abrigar muitas orquídeas, mas existem algumas variáveis a se considerar que não sejam necessariamente apenas o porte das árvores, por exemplo, neste caso de Guaraciaba/MG, região em que o contato com a rocha (gnaisse!) é próximo da superfície, o que já é um bom indicativo da relativa alta fertilidade química desses solos se comparamos com os solos dos chapadões no cerrado do  Brasil Central, e tendo a região um regime de chuvas em torno dos 1.700 mm anuais (chove bem), a vegetação desenvolve-se com relativa rapidez. 


Abaixo um ninho de pássaro pendurado em raízes, onde no fundo aparece fragmentos de rocha em avançado estágio de decomposição (saprolito = rocha podre) expostos por um corte de estrada. O ninho pendurado nas raízes ajuda a evidenciar a baixa profundidade do saprolito.





Aqui por causa da disponibilidade de nutreintes e água a mata fica alta rápido, e com uma diversidade grande de ervas como cipós que na disputa por luz e sobem rapidamente às alturas sombreando muitas outras espécies de plantas (como espécies de orquídeas). Uma confusão que terminaria (pretérito imperfeito mesmo, levando-se em consideração a definição pessoal de "confusão") na próxima etapa da sucessão ecológica com árvores de clímax (20 a 30 m de altura) sombreando as demais.







A partir daqui um habitat no Estado do Rio de Janeiro, um dos últimos que eventualmente se tem notícias de aparecer a Cattleya schilleriana fluminense, e também habitat de outras como a Brassavola perrini.



Aqui apesar do contato da rocha com a superfície e portanto de também solos mais férteis, a mata tem o aspecto de mais antiga, ou mais equilibrada, a começar pela ausência do prateado de embaúbas e passando também para a falta daquela "confusão" de cipós espalhando-sempelas copas das árvores, é uma mata onde se vê os galhos das árvores mais altas, ou seja, não há cipós os recobrindo.



Na primeira situação é muito difícil encontrar-se orquídeas epítitas, excessões como algumas Catasetum geralmente em clareiras ou nos ponteiros de galhos mais altos, já na segunda, a dificuldade em se encontrar orquídeas nas árvores estaria exatamente no fato da área vir sofrendo muita coleta (considerando o fator antrópico de novo!), especialmente da C. schilleriana, uma vez que o ambiente em si é mais propício à ocorrênia de maior diversidade de orquídeas.


Um comentário:

Ítalo M. R. Guedes disse...

Locatelli,
Bom este seu post. Tenho apenas uma ressalva a fazer. Em certo trecho você diz que a proximidade do saprolito da superfície do solo poderia significar uma (relativa) maior fertilidade do solo. Você corretamente chama a atenção para o fato de que esta maior fertilidade é relativa a uma outra situação de solos ainda mais pobres, mas creio que é válido também chamar a atenção para o fato de que nesta região a proximidade do saprolito nem sempre se reflete em melhores condições de fertilidade já que o próprio saprolito foi há muito intemperizado quimicamente, ainda que mantenha as feições macroscópicas da rocha original, e muitos dos elementos que teriam interesse em termos de nutrição vegetal já foram há muito lavados. A poucos quilômetros de onde foi tirada esta foto sua, ainda no município de Guaraciaba, há solos se desenvolvendo sobre saprólitos bastante superficiais, mas estes apresentam quase que só quartzo e muscovita: os feldspatos já se transformaram em caulinita e a biotita em hematita ou goethita.